
Outono. O amarelar das folhas deixava Lindanópolis ainda mais linda. Eram oito horas e o nevoeiro do amanhecer ainda banhava as ruas da Avenida das Maravilhas. João Antonio, no seu ritual matinal, já estava a caminhar pelas calçadas, que recebiam um tom bem mais rústico devido à presença do outono. Eram feitas com paralelepípedos. Nas ruas, casas sofisticadas, ao estilo medieval, e alguns poucos comércios.
João Antonio sempre saía no mesmo horário. Não podia esperar. Não porque o café esfriaria, pois a cafeteria para onde estava indo sempre servia o café fresquinho. Mas porque o que o fazia ele não se atrasar e tomar o mesmo café todos os dias era poder ver sua bela vizinha de quarteirão, Carla.
João morava a um quarteirão dela. Saía quinze minutos antes do qual Carla costumava passar por lá. Às vezes até esperava, mas não atrasava nenhum dia. João nem sabia o nome de Carla. Nunca ao menos olhara em seus olhos. Mas sempre a seguia. A fascinação que sentia era inexplicável.
Carla saiu de casa, João disfarçadamente, andando o mais devagar possível para não ultrapassa-la, a seguiu. Ela usava uma roupa típica da estação, digna de aplausos. Soube combinar devidamente todos os acessórios. Estava esplendida. João olhava aqueles cabelos dourados, balançado levemente, ao ritmo de seu caminhar delicado. Aquela era a mulher de seus sonhos.
Tudo começou quando João tinha uma entrevista de emprego numa empresa que ficava ao lado da cafeteria, ele nunca tinha ido lá até aquele dia, João não foi admitido. Ao sair, desolado pela derrota, resolveu tomar um café na Cafeteria Encanto. Ele nunca tinha ido lá até aquele dia. Mas já tinha ouvido lar, era considerada a melhor de Lindanópolis. Ele iria entrar, quando viu uma bela moça sair. Foi como se João estivesse entrado em estado de choque, como se Carla o tivesse enfeitiçado. João nem percebeu, mas não conseguiu parar de olhar para ela. Resolveu segui-la e, desde então faz o mesmo todos os dias.
Carla sempre caminhava pela Avenida das Maravilhas, que ficava a três quarteirões de sua casa, para poder saborear os quitutes da Cafeteria Encanto. Ela nunca tinha notado que João a seguia. Tinha mais coisas para admirar, como a bela Avenida de Lindanópolis.
Só faltava um quarteirão para chegar à cafeteria. João continuava hipnotizado. Olhava, atentamente, o andar de Carla, suave como uma canção de ninar. Olhava as folhas secas, desgarrando-se das árvores, uma a uma, num movimento característico, até repousarem ao lado de seus delicados pés.
Ela entra na cafeteria, senta no mesmo lugar de costume. Pede o de sempre: capuccino com cookies de avelã. João senta no lado oposto. Sem tirar os olhos dela, pede um café bem forte. Continuava a observá-la. Via seus lábios, rosados, carnudos, encostarem levemente a xícara. Seu coração estava a mil. Suas mãos suavam e os joelhos tremiam. Ele queira beijá-la, amá-la, mas não podia. Nem ao menos sabia como.
De repente, Carla olha na direção de João, que se desespera. Era a primeira vez que via aqueles lindos olhos, verdes, redondos. Ele percebe que ela está nervosa. Parecia que ela sabia, que sentia o mesmo. Parecia ansiosa, seus joelhos tremiam. João não sabia o que fazer. Era a sua chance Será que ela queria o mesmo? Ele não tinha certeza, mas aquela troca de olhares trouxe esperança. Ele a viu olhando fixamente, sem desviar ao menos uma vez, em sua direção. Não podia acreditar. Numa atitude involuntária, João levantou-se, dirigiu-se até Carla - seu corpo estremecia, quanto mais perto chegava mais sentia a respiração dele e dela ofegante. Não podia ser. Não era o amor platônico que pensava. João se via a cada passo mais convencido de que era um amor de verdade, amor correspondido. João chegou tão perto que escutou o coração de Carla acelerado, até mais rápido que o dele. Carla o olhou com ar de medo. Suas mãos tremiam. Segurou fortemente sua mão, estava fria, gelada. Ele não podia acreditar naquilo. Era a melhor coisa que poderia acontecer na vida dele. Carla desabou em seus braços. João ficou louco. Ele realmente não poderia acreditar. A mulher dos seus sonhos estava ali, em seus braços, morta.